Certas análises sobre capitalismo e globalização têm a característica (preocupante) de se manterem atuais, mesmo anos após sua publicação. O capítulo “Os perdedores globais” do livro “Os Últimos Combates” (1997) pode ser adicionado a esse seleto grupo. No texto, o autor Robert Kurz procura demonstrar que a globalização é fruto do capitalismo e que, da forma como se desenvolveu, pode ser um elemento da derrocada deste sistema, uma vez que potencializou seu caráter excludente e criou uma dependência forte e perigosa entre países. Ou seja, o capitalismo se comporta como um jogo de cartas marcadas onde quem dá as cartas sempre soube exatamente quem ganha e quem perde a cada rodada. Porém, o sistema está entrando em colapso e o jogo começa a gerar insegurança, mesmo para os seus vencedores habituais.
Em princípio, Kurz mostra a transição do conceito de mercado mundial para o de globalização, que rege relações comerciais e diplomáticas atuais. Se antes o “comércio externo” era feito em menor escala e tinha importância inferior, hoje está intrínseco à economia global. O sistema capitalista criou uma situação de dependência, pois levou às nações a necessidade de expandir cada vez mais seu mercado consumidor e buscar mão-de-obra barata além de seus territórios. A partir desta quebra de fronteiras, proposta pela idéia de globalização, surge “um mercado único e global”, como o autor define.
A tecnologia avança em uma velocidade assustadora. O processo de informatização do comércio, iniciado na década de 80, já fazia dos limites fronteiriços, antes verdadeiros obstáculos para a expansão de mercados, linhas meramente simbólicas. Robert Kurz lembra que, apesar deste fato, “a política e ciência econômica permaneceram apegadas a seus velhos conceitos e teorias”, ou seja, ainda se baseavam no conceito de “economia nacional”. Hoje a internacionalização das relações é ainda mais simples e comum, devido às ferramentas tecnológicas que permitem maior dinamismo na comunicação e nos transportes, e amplia a capacidade produtiva de cada país.
Com o tempo, a quebra de fronteiras se deu também fisicamente.Visando a redução de custos, empresas investiram na construção de fábricas,filiais e franquias em territórios providos de mão-de-obra barata e leis generosas. É neste momento que se define bem quem são os ganhadores e perdedores no mundo globalizado.
Com em tudo dentro da lógica capitalista, quem perde nessa história são os menos abastados e, conseqüentemente, menos influentes. Enquanto as potências se vangloriam de sucesso econômico, modernização e de um mercado consumidor global, os países menos desenvolvidos refletem os piores resultados sociais da globalização. Agravam-se os efeitos da divisão internacional do trabalho e, pelo benefício de uma minoria, trabalhadores são explorados, submetidos a pesadas cargas-horárias e dependentes de uma baixa remuneração, que não permite acesso a boas condições de vida.Os contrastes econômicos gerados aprofundam ainda mais os abismos sociais, tornando inevitável o conflito. A situação obriga os governos a buscar formas de minimizar a violência conseqüente deste processo e neutralizar uma possível revolta popular diante da desigualdade.
Ainda que o altruísmo esteja quase tão na moda quanto a consciência ambiental, há de se reconhecer o valor do trabalho desenvolvido por projetos sociais, ONGs e semelhantes. Acontece que só a existência deles já é prova suficiente de que algo não vai bem neste sistema, que há tempos se encontra em crise.Os índices de desemprego e de pobreza aumentando e, com eles, a cultura do recurso a medidas assistencialistas. Sem entrar no mérito do benefício, ainda que temporário, aos que dependem dessas medidas, é fato que a necessidade de se fazer reparos sociais permanecerá enquanto prevalecer um sistema que permite e se alimenta da desigualdade. As soluções para os efeitos negativos da globalização podem não ser simples, mas, certamente, estão fora do capitalismo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário