quarta-feira, 17 de junho de 2009

Falhas nos mecanismos

Fabiana Nanô

A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) foi um marco importante na história dos Estados Unidos: em meio a batalhas e cálculos políticos, o país surge como potência mundial capaz de ganhar qualquer conflito.

Então, de acordo com o texto “A teoria keynesiana e a grande depressão”, a economia estadunidense conhecia seu auge. A produtividade da indústria elevava-se a um grau máximo, quase não havia desemprego, e os norte-americanos assalariados gastavam suas rendas em casas próprias que vinham com uma espécie de “kit” do “american way of life” – automóveis, geladeiras, rádios e outros aparelhos elétricos – que deixava o resto do mundo maravilhado.

Este reino de plena produtividade ruiu em outubro de 1929, com a quebra da Bolsa de Valores de Nova York. A brusca queda nos valores dos títulos negociados deu início à maior crise do capitalismo vivida até então – um período conhecido como a Grande Depressão.

Empresas e bancos faliram e o desemprego atingiu níveis antes inimagináveis; as pessoas passavam fome e não tinham a quem recorrer. Como foi possível atravessar, em poucos meses, de uma situação de bonança confortável a mais completa miséria e falta de alternativa?

É neste contexto de mudança de paradigma que surge John Maynard Keynes (1883-1946). Segundo o texto, as análises deste economista britânico sobre os mecanismos inerentes ao funcionamento do capitalismo não diferem muito das de Karl Marx (1818-1883). Ou seja, ambos concordam ao dizer que o sistema produz momentos de forte recessão provocados pela própria auto-reprodução do capital. A contração é inevitável, pois o capitalista visa apenas o lucro, ele não está interessado em distribuir a comida entre os famintos. Antes queimar os alimentos do que reparti-lo, assim o caminho fica livre para voltar a produzir e a ganhar cada vez mais.

A diferença entre Marx e Keynes está no fato de o primeiro acreditar que o mal do capitalismo é “incurável” e que a única solução possível é a superação do sistema, enquanto que o segundo propôs algumas saídas para a crise de superprodução que houve em 1929.

As idéias de Keynes, bem demonstradas em sua obra-prima Teoria geral do emprego, do juro e da moeda, foram reiteradas em diversas ocasiões – entre elas durante os Acordos de Bretton Woods, em 1944 – e postas em prática pelo governo do norte-americano Franklin Delano Roosevelt.

Segundo o economista, uma maneira consistente e realista de sair da crise é por meio da intervenção do Estado na economia. Os ideais do liberalismo, o laissez-faire, o livre comércio e o mercado auto-regulador se mostraram insuficientes. O governo precisa interferir em setores estratégicos, que “não ampliassem a capacidade produtiva da economia e, ao mesmo tempo, não reduzissem as oportunidades de investimentos para o futuro”. Keynes estava pensando então em construções de escolas, hospitais, parques, entre outros.

Neste ponto, o texto falha ao não mencionar o grande presidente norte-americano que introduziu a teoria keynesiana em seu país: Roosevelt. Durante sua permanência no governo dos Estados Unidos, entre 1933 e 1945, o ex-mandatário implementou aquilo que ficaria conhecido como “welfare state”, ou seja, o Estado de bem-estar social.

Roosevelt formulou políticas que criavam melhores condições de trabalho aos estadunidenses – entre elas, a criação de uma espécie de “fundo de garantia” para os desempregados – e conseguiu aumentar a produtividade da indústria por meio de isenções fiscais, por exemplo.

Ao interferir no mercado, foi acusado pela oposição de fomentar o socialismo no país. Contudo, ele se dizia o verdadeiro capitalista da época: suas políticas dariam a sustentação necessária para que o sistema pudesse voltar a operar normalmente.

Por outro lado, o socialismo se apresentava como uma real ameaça aos Estados Unidos. A grave recessão causada pela Crise de 1929 provocou descontentamentos em setores da população que demonstravam simpatia pelo que ocorria na União Soviética, que “atravessou incólume a década de 1930”, como bem enfatizou o texto.

Faltou ressaltar que, se os Estados Unidos apareceram como potência mundial durante a Primeira Guerra, entre 1940 e 1945 este papel foi reservado à Rússia. E que, por este motivo, grande parte do “complexo industrial-militar” ao qual o texto faz referência foi fomentada pela “corrida armamentista” impulsionada pela forte tensão da Guerra Fria.

Esta situação se agravou com o calote dado pelo governo de Richard Nixon, que decretou o fim do lastro ouro do dólar em agosto de 1971. Desde então, o que dá valor à moeda norte-americana é o poderio militar dos Estados Unidos.

O texto mostra bem, no entanto, como situações de crise no capitalismo são geralmente supridas por guerras. É preciso diminuir o contingente de homens, e durante a Segunda Guerra Mundial “o desemprego cedeu lugar a uma escassez de mão-de-obra”. Na Europa, além das baixas, a emigração contribuiu de forma significativa para a reconstrução do continente.

Keynes, que morreu pouco depois do fim da Segunda Guerra, provavelmente não ficaria contente com os resultados de suas teorias implementadas pelo governo norte-americano, e por outros países.

A partir da década de 1960, e em particular sob o governo de Richard Nixon (1969-1974), o “welfare state” cedeu lugar a um retorno dos ideais neoliberais. Por ironia da história, os princípios do laissez-faire provocaram outras crises ao longo do tempo, atenuadas por mecanismos criados durante o governo de Roosevelt, como os “fundos de garantia” aos desempregados.

O texto peca ao não mencionar acontecimentos políticos importantes – como a Guerra Fria – e enfatizar os dados econômicos, mas ilustra bem o lado crítico da teoria keynesiana, ou seja, sua contribuição para a formação de um complexo industrial-militar que põe em xeque a prosperidade social e até “a própria existência da sociedade americana”.

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